DOCUMENTO CIENTÍFICO - Maio/2022

- Iluska Agra: Médica Oftalmologista da EBSERH, Coordenadora do Ambulatório de Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo do Hospital Universitário Professor Edgar Santos, Faculdade de Medicina, Universidade Federal da Bahia.
- Cresio Alves: Professor Associado de Pediatria, Coordenador do Serviço de Endocrinologia Pediátrica do Hospital Universitário Prof. Edgard Santos, Faculdade de Medicina, Universidade Federal da Bahia. Presidente do Departamento de Endocrinologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. Coordenador do Comitê de Comunicação Social da SBTEIM.

Introdução

O processo de desenvolvimento da visão inicia-se ao nascimento. A visão é um sentido fundamental para o desenvolvimento do bebê. A perda da visão nos primeiros anos de vida tem grande impacto no desenvolvimento global da criança, pela falta de experiências visuais prévias. A deficiência visual na infância afeta o desenvolvimento motor, psicoemocional e cognitivo da criança, e interfere na sua educação e no cuidado dado pelos familiares e profissionais.

O período crítico de desenvolvimento visual ocorre nos primeiros 7 anos de vida, sendo os primeiros meses, o período mais suscetível às alterações do sistema visual. Qualquer alteração nos olhos que impeça a estimulação visual da retina nos primeiros 7 anos de idade, caso não tratado precocemente, pode levar a danos nas conexões da via óptica até o cérebro e causar deficiência visual permanente.

O teste do reflexo vermelho (TRV), ou teste do olhinho, é um exame simples, de triagem neonatal, capaz de detectar precocemente doenças oculares que causem obstrução no eixo visual, possibilitando o tratamento no tempo certo. Isso permite o desenvolvimento normal da visão, impedindo ou reduzindo o risco de cegueira e até mesmo, morte.

Epidemiologia

Estima-se que a prevalência de cegueira no Brasil seja 4/10.000. Seguindo a estimativa da Agência Internacional de Prevenção à Cegueira, é possível considerar que no Brasil tenhamos cerca de 26 mil crianças cegas por doenças oculares que poderiam ter sido evitadas ou tratadas precocemente. Existem poucos estudos sobre as causas de deficiência visual na infância, as quais variam de acordo com os fatores socioeconômicos das diferentes regiões. Estudos em escolas para pessoas com deficiência visual e em serviços de baixa visão mostram como principais causas: retinocoroidite por toxoplasmose, catarata infantil, glaucoma congênito, retinopatia da prematuridade e alterações do nervo óptico.

A prevalência de cegueira infantil é cerca de 10 vezes menor do que entre os adultos, porém a sua prevenção é prioridade devido ao número de anos a serem vividos na cegueira e à associação com o atraso do desenvolvimento neuropsicomotor. Cerca de 40% das causas de cegueira infantil são evitáveis ou tratáveis. As principais causas evitáveis de cegueira são catarata, glaucoma, cicatrizes corneanas, erros de refração e retinopatia da prematuridade. A maioria dessas doenças podem ser detectadas ou suspeitadas através do TRV.

Em uma revisão sistemática, publicada em 2021, observou-se que 6,2% dos pacientes com TRV anormal necessitaram de intervenção clínica ou cirúrgica para tratamento de doença ocular.

Em estudo realizado em hospital terciário do Rio Grande do Sul, foram observados 121 casos de TRV inconclusivo o que correspondeu a 1,0% do total de recém-nascidos (RNs) examinados na maternidade durante o período da pesquisa. Após a avaliação com oftalmologista, com pupila dilatada e exame de mapeamento de retina com oftalmoscópio binocular indireto, foram detectados 4 casos (0,03% de todos os RNs) com alteração ocular severa: 2, glaucoma congênito; 1, catarata congênita; e 1, coloboma de íris e coróide.

Em estudo realizado em três maternidades do Estado de Pernambuco, de 3280 recém-nascidos com até 7 dias de idade, 701 apresentaram alguma alteração ocular. O TRV estava ausente em 24 casos (3,4%), sendo 5 olhos por leucocoria com catarata congênita.

Etiologia

O TRV anormal indica a suspeita do diagnóstico precoce das principais causas de cegueira na infância. A alteração mais facilmente observada através do TRV é a leucocoria (pupila branca), que está presente na catarata congênita, retinopatia da prematuridade em estágio avançado, e no retinoblastoma. Outras doenças oculares que podem ser identificadas pelo TRV e que são possíveis causas de baixa visão são: persistência da vasculatura fetal, inflamação intraocular congênita (toxoplasmose, rubéola), hemorragia intravítrea, opacidades congênitas da córnea, glaucoma congênito, doença de Coats, coloboma e altas ametropias (graus de miopia ou hipermetropia elevados).

A catarata congênita é uma das maiores causas de cegueira tratável na infância e sua prevalência em recém-nascidos varia de 1,2 a 6/10.000. A catarata é a presença de opacidade parcial ou total do cristalino, podendo ocasionar diferentes níveis de déficit visual. Pode ser unilateral ou bilateral e apresentar diversas etiologias, tais como: hereditárias, infecções intrauterinas, erros inatos do metabolismo, síndromes genéticas e esporádica. O tratamento é cirúrgico com a retirada do cristalino opaco, devendo ser realizado idealmente antes de 12 semanas de vida.

O retinoblastoma é o tumor intraocular mais frequente na infância que acomete crianças até os quatro anos de idade. É causado por uma mutação do gene RB1 das células embrionárias da retina. A leucocoria é o sinal clínico mais frequente e os casos unilaterais são diagnosticados mais tardiamente. O diagnóstico é realizado pela oftalmoscopia binocular indireta e ultrassonografia. O tratamento depende do estadiamento e consiste em tratamento local (p. ex., fotocoagulação com laser, quimioterapia intravítrea, enucleação) ou quimioterapia sistêmica.

A retinopatia da prematuridade (ROP) é uma doença vasoproliferativa causada pela vascularização inadequada da retina imatura dos RNs prematuros. As alterações vasculares da retina podem causar descolamento de retina nos casos mais avançados. O grupo de risco são crianças com peso ao nascimento inferior a 1.500g e idade gestacional menor que 32 semanas. Outro fator de risco associado é a duração do uso do oxigênio. O tratamento consiste em fotocoagulação a laser ou injeção intravítrea de antiangiogênico para diminuir a produção de fator de crescimento endotelial, e cirurgia da retina.

Manifestações clínicas

As doenças oculares que alteram o reflexo vermelho nos bebês têm potencial de comprometer o desenvolvimento visual e causar cegueira, o que indica a necessidade de tratamento precoce.

Algumas manifestações clínicas sugestivas de comprometimento visual precoce, observadas em bebês são: perda da fixação visual central, dificuldade para seguir o movimento de objetos oferecidos, estrabismo (desvio ocular) e nistagmo (tremor dos olhos). A leucocoria (pupila branca), presente principalmente nos casos com catarata congênita ou retinoblastoma, pode ser observada a olho nu ou suspeitada através de fotos com flash.

Triagem neonatal

A triagem neonatal usando o TRV é um método de rastreio que identifica alterações que comprometem a transparência dos meios oculares como, por exemplo: catarata e opacidade congênita da córnea (alteração da transparência do cristalino), glaucoma (alteração da transparência da córnea), infecções como, toxoplasmose, rubéola e citomegalovírus (alteração da transparência do vítreo pela inflamação), hemorragia intravítrea (alteração da transparência do vítreo pela hemorragia), retinoblastoma (alteração da coloração da retina pelo tumor intraocular), e descolamentos de retina tardios. O TRV não é um método adequado para identificação precoce dos descolamentos de retina. Para isso, usa-se o oftalmoscópio direto, equipamento portátil e de baixo custo, para avaliar o reflexo luminoso da pupila.

No momento, o TRV ainda não é um exame de triagem neonatal universal e obrigatório. Algumas cidades e estados brasileiros já têm legislação que exige a realização do Teste do Olhinho em todos os recém-nascidos, antes de sua alta hospitalar. Em 2017, a Comissão de Seguridade Social e Família aprovou o Projeto de Lei n. 4.090/2015 que torna obrigatória a realização do teste do reflexo vermelho nos recém-nascidos em todos os hospitais e maternidades, para o rastreamento de doenças oculares.

Desde 2010, o TRV é um exame obrigatoriamente custeado pelos planos de saúde conforme determinação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Diagnóstico

- Triagem: Teste do reflexo vermelho

O TRV é um exame de triagem, que pode ser feito por um profissional de saúde qualificado (pediatra, oftalmologista ou enfermeira capacitada), em todos recém-nascidos, nas primeiras 48 horas de vida ou antes da alta hospitalar. Nos recém-nascidos que nasceram com idade gestacional menor que 32 semanas ou peso inferior a 1,5 Kg, o teste deve ser feito entre a 4ª e 6ª semana de vida, para investigar retinopatia da prematuridade. Se isso não for possível (p. ex., partos domiciliares), o teste deve ser feito na primeira consulta com o pediatra, principalmente nos primeiros 3 meses de vida, visto que este é o período crítico do desenvolvimento sensorial da visão.

De acordo com as diretrizes da Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica (SBOP), o TRV deverá ser repetido, pelo menos 3 vezes por ano, nas consultas de rotina com o pediatra, durante os primeiros 3 anos de vida, em todas as crianças com o desenvolvimento neuropsicomotor adequado para a idade. A falha da visualização ou anormalidades do reflexo são indicações para encaminhar a criança para o médico oftalmologista. Recomenda-se repetir o exame nas consultas subsequentes porque algumas anormalidades em estágio inicial (p. ex., tumor pequeno) podem ainda não alterar o reflexo vermelho.

Desde 2010, o TRV é um exame obrigatoriamente custeado pelos planos de saúde conforme determinação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

O teste é um exame rápido, simples, indolor, não invasivo, de baixo custo, de fácil realização e que não requer uso de colírio para dilatar a pupila. Deve ser realizado em um ambiente (berçário ou consultório) com pouca iluminação (em penumbra, com as luzes baixas), usando um oftalmoscópio direto (equipamento portátil, de baixo custo e fácil manuseio). O examinador deve posicionar o oftalmoscópio direto a aproximadamente 50 cm a um metro de distância dos olhos da criança para observar o reflexo que reflete da retina.

Considera-se um resultado normal quando se observa, na pupila, um reflexo vermelho, laranja ou amarelo, homogêneo e simétrico, em ambos os olhos. Isso significa que as principais estruturas do olho (córnea, câmara anterior, cristalino e câmara vítrea) estão transparentes, permitindo que o feixe de luz emitido pelo oftalmoscópio direto incide sobre a superfície da retina de forma normal. A variação da coloração do reflexo dependerá da incidência da luz e do grau de pigmentação do epitélio da retina.

Considera-se um resultado alterado (“anormal”) quando não se observa o reflexo vermelho (pupila branca ou preta) ou na presença de assimetria dos reflexos entre os olhos. Isso indica a presença de alguma alteração ocular que está impedindo a captação do reflexo da retina. Quando isso ocorre, a criança deve ser encaminhada imediatamente para o oftalmologista para investigar problemas na visão e tratamento precoce.

Ambiente com iluminação inadequada, pupila muito pequena e criança chorando durante o exame podem contribuir para um resultado inconclusivo ou falso-positivo do teste do olhinho.

O Quadro 1 ilustra exemplos de TRV normal e alterado.

Quadro 1. Teste do reflexo vermelho (TRV).

TRV Resultado Imagem fotográfica
TRV presente bilateralmente Exame normal
TRV ausente bilateralmente Retinoblastoma
TRV ausente bilateralmente Catarata congênita
TRV ausente bilateralmente Opacidade corneana congênita
TRV ausente em olho direito Retinoblastoma

Tratamento

O tratamento dos casos confirmados irá variar de acordo com o diagnóstico (p. ex., catarata, glaucoma, retinoblastoma).

Acompanhamento

Registrar o resultado do TRV na Caderneta da Criança e informar aos pais ou responsáveis sobre a necessidade de repeti-lo, mesmo que o resultado tenha sido normal ao nascimento. A SBOP recomenda a realização do teste, ao menos 3 vezes por ano, nas consultas com o pediatra nos primeiros 3 anos de vida. Isso porque, doenças como o retinoblastoma podem não ser identificadas ao nascimento e se manifestarem mais tarde nos dois a cinco primeiros anos de vida. Recém-nascidos prematuros, com microcefalia, diagnóstico de infecção congênita (p. ex., Zika, rubéola, toxoplasmose), devem ser monitorados mais frequentemente devido ao maior risco de distúrbios visuais.

O pediatra tem papel fundamental no diagnóstico de doenças oculares da infância. Por meio do TRV, uma ferramenta muito valiosa na triagem neonatal, as crianças com doenças oculares graves, que podem levar a cegueira e até mesmo a morte, podem ser encaminhadas ao oftalmologista para tratamento precoce, com isso melhorando o prognóstico visual e sobrevida.

Dia Nacional

O Dia Nacional da Pessoa com Deficiência Visual é celebrado em 13 de dezembro.

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