As Doenças Raras são definidas de acordo com critérios epidemiológicos: nos Estados Unidos se considera uma doença rara aquela condição que afeta menos de 200.000 pessoas; na União Europeia quando afeta menos de 1 em 2.000 pessoas e a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a prevalência de 65:100.000 (1,3:2.000) habitantes.
Do ponto de vista clínico existe ampla variabilidade nos sinais e sintomas, na idade e gravidade das manifestações. Sinais e sintomas inespecíficos geralmente estão presentes, dificultando o diagnóstico. Estas doenças, caracterizam-se por um terem um curso lento e progressivo e frequentemente resultam em incapacidade física e intelectual.
Aproximadamente 10% das Doenças Raras possuem terapias especificas, mas todas necessitam de equipe interdisciplinar atenta para dar suporte aos pacientes e suas famílias.
Para aprimorar, realizar o custeio e estabelecer um fluxograma de atendimento dos pacientes pelo SUS foi criada a Política Nacional de Atenção Integral a Pessoa com Doença Rara (Portaria GM/MS no. 199 de 30/01/2014). Esta permitiu o credenciando de Serviços de Atenção Especializada e de Serviços de Referência em Doenças Raras. Até 2020, 17 Serviços de Referência em Doenças Raras foram habilitados. Pela Política Nacional de Atenção Integral a Pessoa com Doença Rara (PNAIPDR) as doenças estão divididas em: 1) Doenças Raras de origem genética: anomalias congênitas ou de manifestação tardia, deficiência intelectual e erros inatos do metabolismo; 2) Doenças Raras de origem não genética: infecciosas, inflamatória, auto-imunes e outras doenças raras.
Cerca de 80% das Doenças Raras possuem etiologia genética e estabelecer o diagnóstico correto também significa identificar se a doença foi herdada de um dos genitores. Acredita se que existam 7.000 doenças consideradas raras, afetando 8% da população da mundial e no Brasil 13 a 15 milhões pessoas podem ser portadores de uma Doença Rara.
No atual Programa de Triagem Neonatal do SUS são consideradas doenças raras o Hipotireoidismo Congênita, Anemia Falciforme, Fenilcetonúria, Fibrose Cística, Deficiência de Biotinidase e Hiperplasia Adrenal Congênita. A importância da triagem neonatal está na realização do diagnóstico precoce.
Realizar o diagnóstico precoce de um paciente com Doença Rara, significa permitir a possibilidade de alterar a história natural da doença e a realização do Aconselhamento Genético, o qual possui importância em verificar se existem outros membros familiares afetados, ainda não diagnosticados, bem como determinar a probabilidade de futuras gestações serem afetadas.
Referências
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z-1/d/doencas-raras
https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2014/junho/04/DIRETRIZES-
https://rarediseases.info.nih.gov/diseases/pages/31/faqs-about-rare-diseases
Fenilcetonúria (PKU)
A Fenilcetonúria (PKU) é uma doença genética, com herança autossômica recessiva, causada pela deficiência da enzima hepática fenilalanina hidroxilase (FAH) que transforma a fenilalanina em tirosina. A enzima FAH deficiente leva ao acúmulo de fenilalanina no sangue e no líquor ocasionando neurotoxicidade, ou seja, lesões neurológicas; a dosagem de tirosina no sangue pode estar normal ou reduzida, a qual também impacta de forma negativa no desenvolvimento. Na urina pode ser observado o aumento da excreção de ácido fenilacetico.
A prevalência no Brasil varia de região para região, mas de uma forma geral é de 1:12.000 nascimentos.
As crianças nascem assintomáticas passando por um período sem manifestações clínicas do 3º ao 6º mês de idade. A maior complicação, relacionada ao diagnóstico tardio, sem triagem neonatal, é a deficiência intelectual, a qual é irreversível sem tratamento precoce. Outros sinais e sintomas são: atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, microcefalia, atraso da fala e da linguagem, irritabilidade, vômitos, apatia, epilepsia, alterações de pele e cabelo (eczema, hipopigmentação), hiperatividade, espasticidade, tremores e ataxia, depressão e outras manifestações psiquiátricas.
A importância da Triagem Neonatal está em permitir o diagnóstico e tratamento precoce, evitando, dessa forma, a manifestação clínica e manifestações neurológicas que podem ser graves.
Na Triagem Neonatal, idealmente com coleta da gota de sangue neonatal entre o 3º e 5º dia de vida, realiza-se a dosagem da fenilalanina no papel de filtro, sendo que em no caso de confirmação diagnóstico, o tratamento deve ser iniciado até 21 dias de vida. Toda triagem neonatal com primeiro resultado alterado, deve ser submetida rapidamente à confirmação e repetição com testes laboratoriais bem específicos. Ou seja, a dosagem da fenilalanina deve ser repetida e se permanecer alterada, o paciente deverá ser acompanhado em um centro de referência do programa de triagem neonatal.
O cofator tetrahidrobiopterina (BH4) é necessário para a atividade da FAH, e defeitos no seu metabolismo são responsáveis por aproximadamente 2% dos casos de Hiperfenilalaninemia devendo ser dosado para afastar a deficiência de BH4.
Além da PKU existem outras elevações da fenilalanina plasmática que são chamadas de Hiperfenilalaninemias. A classificação é dada pela concentração de fenilalanina no sangue, na tolerância à fenilalanina e no grau de deficie^ncia da FAH (PCDT 2019):
1) FNC clássica: o paciente apresenta níveis plasmáticos de fenilalanina acima de 20 mg/dL no diagnóstico;
2) FNC leve: o paciente apresenta níveis plasmáticos de fenilalanina entre 8 mg/dL e 20 mg/dL no diagnóstico;
3) Hiperfenilalaninemia não-FNC: o paciente apresenta níveis plasmáticos de fenilalanina entre 2 mg/dL e 8 mg/dL no diagnóstico;
4) Hiperfenilalaninemia transitória devido à imaturidade hepática ou enzimática, mas que vão normalizando nos primeiros meses de vida.
Do ponto de vista do aconselhamento genético, a PKU apresenta herança autossômica recessiva, o que significa que os pais possuem apenas uma mutação no gene PAH, sendo heterozigotos para a condição e, portanto, assintomáticos. Os afetados necessitam ter duas mutações no gene PAH, sendo homozigotos para a condição. Isso confere um risco a cada gestação de 25% de ter um filho (a) afetado (a) com FNC. O gene PAH apresenta uma heterogeneidade genética com muitas mutações descritas na literatura. Para fazer o diagnóstico da FNC não é necessário solicitar a análise molecular, somente a dosagem dos níveis de fenilalanina já serão suficientes.
A gestação nas pacientes com FNC e Hiperfenilalaninemias devem ser planejadas e acompanhadas para alcançarem os níveis de FAL bem controlados, tendo em vista o risco de malformações fetais. As malformações descritas em decorrência da embriopatia pelo excesso de fenilalanina são: atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, déficit cognitivo, microcefalia, estrabismo, fenda labial e palatina, anomalias vertebrais e cardiopatia congênita.
O tratamento da PKU e Hiperfenilalaninemias consiste em uma dieta restrita em fenilalanina e deve ser iniciada rapidamente após o diagnóstico. Basicamente, compreende a exclusão de alimentos como carne, aves, peixes, ovos e grãos com elevado teor proteico. Não é fácil a aderência às dietas restritivas, tanto pela limitação da ingestão dos alimentos como pelo custo de sua aquisição, fato que frequentemente se agrava quando o paciente inicia o convívio social. Consequentemente, o tratamento e acompanhamento devem ser individualizados, respeitando as particularidades de cada paciente, sempre estando em alerta com os níveis de Fenilalanina e crescimento e desenvolvimento neuropsicomotor e comportamental.
Ainda complementando o tratamento nutricional, cerca de 30% dos pacientes podem beneficiar-se ao uso do dicloridrato de sapropterina (BH4), considerado um cofator da enzimático da PAH que permite uma tolerância maior a ingestão de proteína. A Indicação da Sapropterina é individualizada e o paciente deve realizar um teste de tolerância para definir a indicação médica.
A fórmula metabólica isenta de fenilalanina é disponível a todos os pacientes com PKU dentro do Sistema Único de saúde, contudo o BH4 (Sapropterina) há protocolo clinico de diretriz terapêutica que define o uso para mulheres com PKU utilizarem apenas 3 meses antes da gestação e durante o período gestacional.
Tratamentos inovadores para melhorar a adesão, melhorar a qualidade de vida e melhorar a tolerância a alimentos proteicos estão em estudos clínicos avançados. Um deles é o uso da Pegvaliase que é uma enzima peguilada que converte fenilalanina em amônia e ácido trans-cinâmico. Os níveis de fenilalanina no sangue foram reduzidos em aproximadamente 50% a 70% em pacientes que receberam doses terapêuticas de pegvaliase. No entanto, a maioria dos pacientes apresentou eventos adversos.Essa medicação ainda não tem aprovação para ser utilizada no Brasil até o momento.
Para o melhor cuidado dos indivíduos com PKU, é fundamental que uma equipe interdisciplinar composta por profissionais da pediatria, genética médica, nutrição, serviço social, psicologia e enfermagem estejam capacitadas para o atendimento dos pacientes, permitindo o adequado desenvolvimento e crescimento saudável. E não menos importante a presença da família e da sociedade possuem papel fundamental no tratamento da PKU.
E no dia 28 de junho é o dia Internacional de Conscientização da Fenilcetonúria, e esse dia foi escolhido devido ao nascimento de Robert Guthrie em 1916. A PKU foi a primeira doença a ser diagnosticada pela Triagem Neonatal através do teste do papel filtro no cartão de Guthrie.
A PKU é um exemplo de teste triagem de sucesso onde o diagnóstico e o tratamento precoce fornece uma intervenção eficaz na mudança da história natural da doença.
Referências:
http://conitec.gov.br/images/Consultas/Relatorios/2019/Relatrio_PCDT_Fenilcetonria_CP16_2019.pdf
https://www.pkuday.org/about/
FIBROSE CÍSTICA
Em 08 de setembro é comemorado o Dia Mundial da Fibrose Cística (FC). Nesta data, em 1.989, foi publicada na literatura científica, a descoberta do Gene CFTR, que quando mutado resulta no desenvolvimento da FC.
Fibrose Cística (FC) é a doença genética hereditária letal mais comum em caucasianos e manifesta-se, na maioria dos indivíduos, nos primeiros anos de vida. A prevalência da FC no Brasil é estimada em 1:7.576 nascidos vivos, variando de acordo com a região geográfica e miscigenação populacional.
Trata-se de uma doença multissistêmica que afeta glândulas exócrinas como células epiteliais, ductos de suor e pancreáticos, células secretoras de muco e sudoríparas. Os sinais e sintomas são variáveis entre os afetados, mas basicamente se caracteriza por infecções respiratórias recorrentes, dificuldades de ganhar peso, diarreia/esteatorreia (gordura nas fezes), desidratação. Cerca de 10% dos recém nascidos apresentam íleo meconial (levando a não evacuação de mecônio nas primeiras 24 a 48 após o nascimento). Frequentemente, em nosso meio, portadores da FC apresentam diagnóstico tardio, já apresentando muitas complicações. A FC é uma das doenças que apresenta benefícios para a qualidade de vida dos pacientes, com diagnóstico precoce, pela triagem neonatal.
A triagem neonatal para fibrose cística faz parte do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) desde 2001. A metodologia envolve a realização da dosagem da Tripsina Imunorreativa (TIR) no sangue coletado a partir da punção do calcanhar do bebê, entre o terceiro e quinto dia de vida, conhecido como teste do pezinho.
O objetivo da triagem neonatal é a prevenção das sequelas, prevenção de comorbidades e evitar o desfecho letal. No caso da FC os objetivos principais são: a prevenção das infecções e redução das internações hospitalares, intervenção precoce para ganho do peso e estatura adequados e evitar a desnutrição, entre outros.
A FC é uma doença com herança autossômica recessiva, ou seja, é causada pela presença de duas variantes patogênicas (mutações) no gene CFTR (gene localizado em 7q31 que codificada a proteína reguladora da condutância transmembrana) que regula o canal de transporte do cloreto e bicarbonato nas superfícies das células epiteliais. Quando não funcionante, a proteína anômala produzida pelo gene CFTR, leva à produção de uma secreção mais espessa e disfunção hidroleletrolítica causando aumento de íons (sódio e cloro) no suor o que caracteriza a doença como "suor salgado".
A Triagem Neonatal para FC deve ser idealmente realizada nos primeiros dias de vida, sempre antes de 30 dias de vida. Um exame de triagem positivo para FC é um exame suspeito, ainda não confirma a doença. Após duas dosagens alteradas de IRT (teste do pezinho) deve ser realizado o Teste do Suor. O padrão ouro para o diagnóstico de FC é o teste do suor pelo método de Gibson e Cooke, através da coulometria. O teste do suor e´ considerado positivo quando a dosagem de cloro e´ maior do que 60mmol/L e, negativo, quando menor do que 30 mmol/L. Pacientes com teste do suor entre 30 e 59 mmol/L sa~o considerados inconclusivos e requerem investigação adicional para confirmação ou exclusão do diagnóstico, podendo ser indicado o estudo genético. Todo paciente com exame alterado deve ser encaminhado o mais rapidamente para o Centro de Referência para garantir o tratamento em equipe interdisciplinar.
É importante salientar que em raros casos a triagem neonatal para FC através do teste da IRT pode ser normal e ainda assim o paciente possuir FC. Esses casos poderão desenvolver sintomas mais tardios e/ou mais leves e o pediatra deve estar atento aos sinais e sintomas.
Mas qual a finalidade do exame genético do CFTR ? A análise molecular permite a realização do Aconselhamento Genético e auxilia para o diagnósticos nos casos duvidosos. O conhecimento molecular também tem permitido o encaminhamento para terapias especificas baseadas no genótipo.
O tratamento da FC necessita de uma equipe interdisciplinar com pediatra, nutricionista, nutrologista, pneumologista, gastroenterologista, clinico geral, geneticista, fisioterapeuta, assistente social, enfermeiro, psicólogo e farmacêutico. A fisioterapia respiratória é fundamental para a prevenção e manutenção da saúde respiratória. Também se destaca o papel da nutrição para a manutenção da integridade física e redução das internações. Vitaminas e antibióticos são necessários por toda a vida. Atualmente tem se novos medicamentos baseados no genótipo que estão sendo disponibilizados com critérios específicos e por via judicial.
REFERÊNCIAS
https://www.nupad.medicina.ufmg.br/topicos-em-saude/fibrose-cistica/
http://www.gbefc.org.br/site/pagina.php?idpai=14