Direito à Saúde e à Ética – reflexões sobre acertos e erros durante a pandemia


*Por Carlos Eduardo Gouvêa

Há pouco mais de um ano fomos impactados pelas primeiras notícias sobre um novo vírus que, de forma inesperada, surgiu na distante cidade de Wuhan, na China. De lá, foi se alastrando pelo restante da Ásia, chegando à Europa, para finalmente se tornar a grande ameaça mundial desta segunda década do Século XXI.

Por mais que tivéssemos experiência em lidar com as pandemias anteriores – MERS-CoV, H1N1-, tudo se mostrou incógnito quando do advento do SARS-CoV-2. Algo, que alguns trataram como "gripezinha" e outros como "apocalipse", mostrou-se implacável e feroz no seu ataque – inicialmente apenas a grupos de vulneráveis e, mais recentemente, de forma muito mais rápida, a todas as faixas etárias, inclusive jovens. E cada indivíduo com uma resposta diferente.

Percebeu-se que a guerra contra a COVID-19 não seria feita de apenas uma batalha, mas sim de várias. E assim tem sido. A cada dia, a cada semana, uma surpresa nova. É o vírus se renovando por meio de suas variantes como a P1, E484K ou H69/V70/deletion – de Manaus, África do Sul ou Reino Unido – muitas ainda aparecerão enquanto estivermos distantes da imunidade de rebanho.

O fato é que o mundo se deparou com várias contradições, ao mesmo tempo que precisaríamos da união de todos para travar uma única luta contra o vírus: isolamento integral interrompendo fluxos consolidados de comércio ou viagens, a ponto de chegarmos em uma situação de lockdown!

Mas, será que fizemos tudo o que era possível? Seguramente não. Uma rápida visualização dos dados disponíveis no Painel Coronavírus do Ministério da Saúde (covid.saude.gov.br) comprovará isto. Com mais de 12 milhões de casos confirmados de infecção pelo SARS-CoV-2, tendo acumulado mais de 313 mil óbitos até o momento, seguramente percebemos que não fizemos tudo o que poderíamos.

Em uma breve retrospectiva, todavia, podemos notar vários acertos. Alguns deles merecem grande destaque como, por exemplo, a decisão de abrir o genoma do vírus tão logo ele foi descoberto. Ao fazer isto, os cientistas asiáticos (chineses e coreanos) permitiram que se pudesse desenvolver, inicialmente em laboratório, os testes moleculares para a detecção do vírus (os chamados testes "in house"). Este foi um passo fundamental para que a indústria de diagnóstico fizesse um esforço hercúleo para, em pouco tempo, tornar este teste molecular um produto comercial e, a partir daí, usar seus conhecimentos e tecnologias para trazer outros produtos ao mercado como os testes rápidos de anticorpos, bem como por outras metodologias como ELISA, eletroquimioluminescência, fluorimetria, entre outros. Até chegar a testes para detecção do antígeno – opção rápida para detectar se o vírus está circulando no organismo do paciente a ponto de produzir este tipo de proteína – seja pelo swab nasal ou até mesmo por saliva.

O Brasil, neste sentido, percebeu que precisaria agir rápido e, ainda em março de 2020, criou uma série de regras que permitiram o acesso mais rápido, mesmo que de forma temporária aos novos produtos que estavam sendo desenvolvidos naquele momento. A Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, provocada pela CBDL – Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial, publicou regras para um registro temporário (RDC 348/20) e para as certificações de boas práticas (RDC 346/20) mais aceleradas, usando instrumentos regulatórios modernos como o "reliance", por exemplo. Ou seja, rapidamente permitiu-se o acesso, mas sob um olhar atento e cuidadoso do que estava sendo exposto a consumo, e aproveitando o conhecimento acumulado por outras entidades regulatórias de igual rigor.

Ao mesmo tempo, também em um esforço conjunto da sociedade civil organizada, um consórcio formado pela CBDL, além da Sociedade de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC), e da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), organizou rapidamente uma rede de 13 laboratórios públicos e privados que puderam dar ao mercado uma ideia de performance da vida real – com amostras de pacientes brasileiros – para os produtos que estavam sendo lançados. Assim, o Programa de Avaliação de Kits de Coronavírus (www.testecovid19.org), exerceu um papel muito especial de prestar informações valiosas aos compradores de tais produtos, aos próprios fabricantes (para um processo de melhoria contínua) e até mesmo à Anvisa, como dados de vigilância pós-mercado.

Contudo, o segmento laboratorial procurou dar apoio às iniciativas de testagem em massa. Neste sentido, a expectativa de aquisição de 46 milhões de testes pelo Ministério da Saúde (dos quais metade seria de biologia molecular, e o restante de testes rápidos) fazia todo o sentido para criar um mapa epidemiológico do que estava acontecendo e, assim decidir, de forma bem embasada, quais ações de saúde pública deveriam ser adotadas. Aliado a isto, os testes normalmente realizados nos mais de 6 mil hospitais e 18 mil laboratórios deveriam complementar este grande esforço. Todavia, percebeu-se, logo de início, que não seria assim... O Ministério da Saúde, com tantas trocas de ministros e em tão pouco tempo, acabou não conseguindo fazer o seu papel e comprou menos de 12 milhões de testes – dos quais, boa parte nem chegou a usar e, por isto, correm o risco de vencer em seus estoques.

No entanto, a Anvisa, ao permitir, por intermédio da RDC 377/20, ampliar o espaço de testagem usando toda uma estrutura de até 88 mil farmácias pelo Brasil, permitiu que os testes chegassem àquele cidadão invisível ao sistema de saúde, nos rincões deste país. Desta forma possibilitou agregar mais de 4,7 milhões de testes com informações importantíssimas sobre onde estavam as áreas "ferventes" da pandemia.

Não obstante todo o esforço empreendido, o Brasil é um país que testou muito aquém do que deveria! Não fizemos o controle epidemiológico como deveríamos e, como consequência, a pandemia se alastrou rapidamente por todo o território nacional, ainda mais depois da presença da variante P1.

A lista de erros, infelizmente, é enorme! Começa pela excessiva politização da questão – ao invés de usarmos os conhecimentos científicos e experiências prévias, fomos para a disputa entre a União e os Estados, entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. E isto, sem falar dos casos de desvios de produtos, corrupção envolvendo aquisições emergenciais e desperdício de recursos escassos.
O fato é que as ações de saúde pública, para serem efetivas em um país continental como o nosso, precisam ter acesso à informação centralizada, além do apoio nas pontas para poder implementar as políticas de forma integrada.

Assim, embora vivamos um verdadeiro caos e atolados em momentos de desesperança, não podemos esmorecer. A perseverança tem de ser o lema para todos nós. Temos que prosseguir na busca de soluções, por meio de atitudes éticas, com o uso da ciência e da sabedoria. Só assim poderemos compartilhar os legados que estão sendo gerados, entre nós e às futuras gerações!

*Carlos Eduardo Gouvêa é presidente executivo da CBDL – Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial e Relações Institucionais do IES – Instituto Ética Saúde

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