DOCUMENTO CIENTÍFICO - Maio/2022
- Isabel Cristina Britto Guimarães: Professora Adjunta de Pediatria, Supervisora do Programa de Residência Médica em Cardiologia Pediátrica do Hospital Universitário Prof. Edgard Santos, Faculdade de Medicina, Universidade Federal da Bahia,. Coordenadora do Serviço de Cardiologia Pediátrica do Hospital Ana Nery-UFBA.
- Cresio Alves: Professor Associado de Pediatria, Coordenador do Serviço de Endocrinologia Pediátrica do Hospital Universitário Prof. Edgard Santos, Faculdade de Medicina, Universidade Federal da Bahia. Presidente do Departamento de Endocrinologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. Coordenador do Comitê de Comunicação Social da SBTEIM.
Introdução
A cardiopatia congênita critica (CCC) , é definida como qualquer lesão cardíaca da qual
os recém-nascidos morrem ou necessitam de cirurgia ou cateterismo cardíaco intervencionista
nos primeiros 28 dias de vida para prevenir a morte ou lesão grave de órgãos-alvo [1, 2]. A
detecção precoce das CCC antes de apresentar quadro de hipóxia ou choque, leva a melhores
resultados cardiopulmonares e neurológicos [3]. No entanto, a maioria dos recém-nascidos é
assintomática ao nascimento. A triagem neonatal para CCC, através da oximetria de pulso , pode
ajudar a identificar alguns casos , permitir diagnóstico e tratamento precoces, prevenindo
descompensação clínica e óbito .
Epidemiologia
De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, 1 a 2 de cada 1000 recém-nascidos
vivos apresentam cardiopatia congênita crítica. Destes, 30% recebem alta hospitalar sem
diagnóstico, podendo evoluir para óbito precoce, antes de receber tratamento adequado [3].
Adicionalmente, as cardiopatias congênitas correspondem a 40% das malformações congênitas,
sendo uma causa de grande morbimortalidade.
Existem poucos estudos nacionais avaliando o teste do coraçãozinho [4].
Etiologia
O teste do coraçãozinho tem por objetivo identificar cardiopatias congênitas críticas,
denominadas cardiopatias canal dependentes. Nesse grupo de cardiopatias, ocorre uma mistura
de sangue entre as circulações sistêmica e pulmonar, o que acarreta uma redução da saturação
periférica de oxigênio[5]. São elas:
Cardiopatias com fluxo pulmonar dependente do canal arterial (p. ex., atresia pulmonar com
septo interventricular íntegro integro, estenose valvar pulmonar crítica, tetralogia de Fallot e
similares).
Cardiopatias com fluxo sistêmico dependente do canal arterial (p. ex. síndrome de hipoplasia
do coração esquerdo, coartação de aorta crítica, interrupção de arco aórtico e similares).
Cardiopatias com circulação em paralelo (p. ex., transposição das grandes artérias).
Manifestações clínicas
As principais manifestações clínicas das cardiopatias congênitas críticas em um
recém-nascido são: cianose, hipóxia , choque, acidose metabólica, agravo
neurológico ou óbito precoce, devido ao fechamento ou restrição ao fluxo do canal arterial;
podendo ocorrer alguns dias ou semanas após a alta hospitalar. Por isso, a triagem no período
neonatal é fundamental para diagnóstico e tratamento precoce. [5,6,7]
Triagem neonatal
No intuito de melhorar o diagnóstico destas cardiopatias e reduzir a taxa de mortalidade
neonatal em nosso meio, a triagem neonatal pela oximetria de pulso para cardiopatias congênitas
críticas, ou teste do coraçãozinho, foi instituída no Brasil, pelo Ministério da Saúde, através da
Portaria No. 20, de 10 de junho de 2014.[5]
Diagnóstico
Teste do coraçãozinho
O teste do coraçãozinho deve ser feito pelo pediatra (alguns serviços no Brasil, usam o
técnico de enfermagem) em todos os recém-nascidos, com idade gestacional maior que 34
semanas, entre 24 e 48 horas de vida, antes da alta hospitalar. Ele é realizado com um aparelho,
oxímetro de pulso, que mede a saturação de oxigênio do sangue. Os sensores do oxímetro são
colocados na mão direita (avalia saturação pré-ductal) e em um dos pés (avalia a saturação pós-
ductal) do recém-nascido permitindo, assim, aferir a concentração de oxigênio no sangue arterial.
Se dois oxímetros (da mesma marca) não forem disponíveis para realizar o teste ao mesmo
tempo, avaliar a saturação em uma extremidade e depois na outra. As extremidades devem estar
aquecidas e o oxímetro deve mostrar um traçado homogêneo. O exame é rápido, simples, indolor
e não invasivo.
Considera-se um resultado normal quando a saturação de oxigênio é igual ou maior a
95% nas duas extremidades e quando a diferença entre elas for menor do que 3%. Se isso não
acontecer, repetir o teste após 1 hora. Confirmado o resultado alterado, o recém-nascido somente
poderá receber alta hospitalar após a realização do ecocardiograma.
Causas de resultado falso-positivo são extremidades frias ou mal aquecidas,
prematuridade, falhas na técnica de sua realização e problemas com o aparelho. Esses resultados
causam angustia na família do recém-nascido e aumentam os custos com a realização do
ecocardiograma e prolongamento do internamento.
Limitações do método: a oximetria de pulso apresenta sensibilidade de 75% e
especificidade de 99%. Logo, algumas cardiopatias críticas podem não ser detectadas,
principalmente aquelas do tipo coarctação de aorta. Vale lembrar de que a realização do teste não
descarta a necessidade da realização de exame físico minucioso e detalhado em todo recém-
nascido, antes da alta hospitalar.
A Figura 1, do Ministério da Saúde, ilustra a interpretação do teste do coraçãozinho.
Figura 1. Teste do coraçãozinho.
Teste confirmatório
O ecocardiograma com mapeamento de fluxo em cores, é o teste confirmatório indicado
para avaliar o resultado alterado do teste do coraçãozinho, com objetivo de descartar cardiopatia
congênita critica . Outros exames que podem ser solicitados pelo cardiologista pediátrico na
avaliação do recém-nascido com cardiopatia congênita crítica são: gasometria arterial,
radiografia de tórax e eletrocardiograma.
Monitoramento
Caso após a realização do ecocardiograma, seja confirmado o diagnóstico de uma
cardiopatia congênita crítica dependente do canal arterial, o recém-nascido deverá permanecer na
unidade neonatal sob monitorização, iniciar o uso endovenoso de prostaglandina E1 (PGE1), na
dose inicial de 0,05 - 0,1g/kg/min, no intuito de manter a patência do canal arterial e
consequentemente adequado fluxo sanguíneo pulmonar ou fluxo sanguíneo sistêmico. [8]
Tratamento
Recomendado providenciar a transferência do recém nascido com diagnóstico de
cardiopatia congênita crítica, em condições seguras de transporte, para unidade terciária com
serviço de cardiologia pediátrica, no qual possa realizar procedimento cirúrgico ou de
intervenção percutânea necessários para estabilização clínica .
Referências bibliográficas
1. MahleWT,NewburgerJW,MatherneGP,etal; American Heart Association Congenital
Heart Defects Committee of the Council on Cardiovascular Disease in the Young,
Council on Cardiovascular Nursing, and Interdisciplinary Council on Quality of Care and
Outcomes Research; American Academy of Pediatrics Section on Cardiology and
Cardiac Surgery, and Committee on Fetus and Newborn. Role of pulse oximetry in
examining newborns for congenital heart disease: a scientific statement from the
American Heart Association and American Academy of Pediatrics. Circulation.
2009;120(5):447-458.
2. Talner CN. Report of the New England Regional Infant Cardiac Program, by Donald C.
Fyler, MD, Pediatrics, 1980;65(suppl):375– 461. Pediatrics. 1998;102(pt 2):258–259.
3. Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamentos de Cardiologia e Neonatologia.
Diagnóstico precoce de cardiopatia congênita crítica: oximetria de pulso como ferramenta
de triagem neonatal. Publicado em 07/11/2011. Acessado em: 26/04/2022. Disponível
em: http://www.sbp.com.br/pdfs/diagnostico-precoce-oximetria.pdf .
4. de Freitas CP, Mourato FA. Comparing retesting rates between different screening
methods for critical congenital heart disease: A case from Northeast Brazil. Pediatr
Cardiol. 2015 Aug;36(6):1312-3,
5. Ministério da Saúde Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde
da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos – DGITS/SCTIE Comissão
Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC). Portaria No. 20, de 10 de
junho de 2014. Incorporação da oximetria de pulso – teste do coraçãozinho na triagem
neonatal. Acessado em: 26/04/2022. Disponível em:
http://conitec.gov.br/images/Incorporados/TesteCoracaozinho-FINAL.pdf
6. Ailes EC, Gilboa SM, Honeim MA, et al. Estimated number of infants detected and
missed by critical congenital heart defect screening. Pediatrics. 2015; 6:1000-8.
7. Ewer AK, Middleton LJ, Furmston AT, et al. Pulse oximetry screening for congenital
heart defects in newborn infants (PulseOx): a test accuracy study. Lancet. 2011;378:785-
794.
8. EwerAK.Review of pulse oximetry screening for critical congenital heart defects in
newborn infants. Curr Opin Cardiol. 2013;28(2):92-96.